Comemora-se este domingo, 12 de dezembro, o Dia Mundial da Deglutição, que tem como objetivo consciencializar a sociedade e opinião pública, os profissionais de saúde e os doentes que lidam com as chamadas “dificuldades em engolir” para as alterações da deglutição.
A deglutição é uma função complexa que depende da integridade e adequada coordenação de inúmeras estruturas que compõe a cavidade oral, faringe, laringe e esófago, sob controlo neurológico.
O objetivo da deglutição é garantir o transporte eficaz e seguro de alimentos, líquidos e saliva desde a boca até ao estômago. Quando existe uma dificuldade em deglutir, por compromisso sensorial e/ ou motor, este fenómeno designa-se disfagia (do grego dys=dificuldade + phagein= a comer).
As manifestações de disfagia são muito variadas, salientando-se engasgamento frequente, voz alterada (molhada) após a deglutição, dor ao engolir, sensação de alimento preso na garganta, falta de ar durante/após as refeições, regurgitação de alimentos, entre outros. É importante também referir que, em alguns casos, a disfagia é silenciosa, sem que o doente manifeste qualquer sintoma da mesma, mas desenvolvendo as complicações com ela relacionadas.
São, então, várias as complicações inerentes à disfagia: por um lado, verificam-se alterações da eficácia da deglutição, ou seja, na incapacidade de fornecer água e nutrientes indispensáveis ao organismo, com resultante desidratação e malnutrição. Por outro, manifestam-se também alterações da segurança, com consequente aspiração de líquidos/ alimentos para a via aérea, com consequente desenvolvimento de pneumonias de aspiração e/ou asfixia.
A disfagia pode ocorrer em qualquer faixa etária, desde o bebé prematuro ao idoso, podendo ter diversas causas: genética, adquirida, neurológica, estrutural, neoplásica, metabólica, iatrogénica, entre outras.
É, por isso, fundamental relembrar que a disfagia é uma condição muito prevalente, ocorrendo em cerca de 2, a 16% da população em geral, mas assumindo particular relevo nos idosos. De facto, manifesta-se em 27% dos idosos independentes, em 51% dos residentes em instituições, numa percentagem muito elevada de 84% dos doentes com demência/ doença de Alzheimer, estando associada ao agravamento da qualidade de vida, ao aumento do número e duração de internamentos hospitalares, bem como no aumento da morbilidade/ mortalidade.
Como função complexa que é, a deglutição deve ser abordada clinicamente de maneira transversal e multidisciplinar, sendo vários os profissionais de saúde envolvidos na abordagem e reabilitação destes doentes, nomeadamente médicos, terapeutas da fala, enfermeiros com dedicação e especial interesse a esta área.
Destaca-se o envolvimento das especialidades de Medicina Física e Reabilitação, Otorrinolaringologia, Gastrenterologia, Pneumologia, Neurologia, Medicina Interna, Cirurgia Geral e Imagiologia.
A abordagem multidisciplinar à Disfagia nasceu em 2018 no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF), com a criação de um “Grupo multidisciplinar de Disfagia” e a implementação do “Protocolo De Disfagia No Acidente Vascular Cerebral.
Seguiu-se a criação da “Consulta de Disfagia”, organizada pelo Serviço de Otorrinolaringologia, com a realização das videoendoscopias da deglutição (VED). Mais recentemente, e devido ao aumento de número de pessoas doentes críticas com COVID-19 nas unidades de cuidados intensivos do HFF, foi também proposto pelo SMFR, o “Protocolo de abordagem da Disfagia após extubação no Serviço de Medicina Intensiva”.
O tratamento da Disfagia depende do grau de lesão, da mesma forma que são também diferentes os resultados esperados. Na maioria dos casos consegue-se diminuir os sintomas e tornar mais efetiva a deglutição, mesmo quando se verifica uma contínua necessidade da utilização de determinadas técnicas.
As metodologias de intervenção passam essencialmente pela mudança de comportamentos, sendo utilizadas estratégias compensatórias, técnicas de estimulação, manobras de deglutição, técnicas de posicionamento, e exercícios de fortalecimento.
O acompanhamento não se resume à pessoa com disfagia, deve ser efetuado a todos os envolvidos, através de orientações aos familiares, cuidadores, e a todos os que se sintam parte integrante do processo.
Algumas pessoas com diagnóstico de Disfagia não têm capacidade para aplicar as estratégias e dependem da família / cuidadores para que as mesmas sejam realizadas. Se o acompanhamento indireto não for realizado o trabalho está, à partida, limitado.
O envolvimento da Medicina Física e Reabilitação
Além da equipa multidisciplinar do SMFR, composta pela Dra. Catarina Matos, Dra. Ana Filipa Neves, Terapeuta Anabela Alves, Terapeuta Madalena Graça e Terapeuta Sílvia Pinto, o Grupo Multidisciplinar da Disfagia do HFF conta com a participação de profissionais dos serviços de Neurologia, Otorrinolaringologia, Gastrenterologia, Imagiologia, Direção de Enfermagem, Nutrição e Farmácia.
A sua criação teve como objetivo identificar precocemente a presença de disfagia na população de doentes admitidos por AVC, através da implementação de um procedimento de rastreio sistemático (MECV-V) à admissão no internamento, a efetuar por enfermeiro com formação.
A aplicação do rastreio proporciona a identificação de doentes com disfagia, porém com condições de segurança para a alimentação/ hidratação orais adaptadas, permitindo estabelecer as medidas iniciais a instituir, visando uma maior segurança da deglutição.
Todos os doentes com rastreio positivo têm uma avaliação formal por um Terapeuta da Fala com experiência em deglutição, com o intuito de estabelecer ou afastar o diagnóstico clínico efetivo de disfagia.
São formuladas as orientações mais precisas relativas às condições de alimentação/ hidratação oral (viscosidade de líquidos, consistência da dieta, estratégias de alimentação). Havendo preocupações quanto à segurança e eficiência da deglutição, necessidade de esclarecimento complementar, ou presença de situações associadas a elevado risco de aspiração silenciosa, o doente é proposto para a avaliação instrumentada por Videoendoscopia. Um plano terapêutico será definido com a Terapia da Fala, incluindo estratégias compensatórias e reabilitadoras. Estas serão adaptadas de acordo com a evolução clínica do doente.
Disfagia e Cuidados Intensivos em contexto de pandemia
Face ao contexto da pandemia COVID-19 e ao incremento muito significativo internamentos de doentes no Serviço de Medicina Intensiva (SMI), o SMFR do HFF propôs a criação de um “Protocolo de abordagem da Disfagia após extubação no Serviço de Medicina Intensiva”, com o objetivo de definir os princípios gerais de rastreio da disfagia em doentes críticos submetidos a ventilação mecânica invasiva (VMI) por um período superior a 48 horas, parametrizando a identificação de doentes em risco, a sua abordagem e a articulação entre os vários elementos da equipa multidisciplinar dos SMI e o SMFR.
A Terapia da Fala também colabora com a equipa da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos na atuação com os recém-nascidos de risco, muitas vezes, pela prematuridade, lesões neurológicas e/ou malformações, que podem apresentar dificuldades na função de sucção, imaturidade dos reflexos orais, assim como uma descoordenação da sucção-deglutição-respiração.
Consulta de disfagia – Serviço de Otorrinolaringologia
Para dar resposta a pedidos de consulta em regime de ambulatório e pela necessidade de realização de exame de diagnóstico de alta especificidade para o diagnóstico de disfagia – Videoendoscopia da Deglutição (VED), considerado exame de referência neste campo – surgiu também a necessidade da criação de uma consulta estruturada de Disfagia pelo Serviço de Otorrinolaringologia do HFF. Atualmente, a consulta é constituída por uma equipa multidisciplinar composta pela Dra. Mafalda Trindade Soares, Dra. Marta Melo, terapeuta Ana Rita Costa Alemão e Enfermeira Ana Gama, sendo organizada em duas partes distintas, complementares entre si: