Em 2024, foram identificados 62 novos casos de Mutilação Genital Feminina (MGF) na ULS Amadora/Sintra. Estas vítimas, mulheres com idades entre os 19 e os 46 anos, relataram, na sua maioria, terem sido submetidas a esta prática durante a infância. Estes 62 casos, referenciados pelo Hospital Fernando Fonseca (HFF), somam-se às 373 vítimas de MGF identificadas entre 2015 e 2024.
É importante salientar que, das 62 mulheres referenciadas em 2024, 37 foram mães de meninas, e são essas meninas que devemos proteger. A prática da MGF, profundamente enraizada em algumas culturas tribais, pode ter um impacto devastador no futuro destas meninas, afetando o seu desenvolvimento enquanto mulheres.
No HFF existe um grupo de trabalho dedicado à identificação e sinalização das utentes vítimas de MGF. Para compreender melhor o alcance desta prática, a quem colocamos algumas questões-chave:
Qual o momento mais frequente em que se deteta a Mutilação Genital Feminina?
No bloco de partos, enquanto enfermeiras, detetamos a MGF na observação ginecológica, na avaliação da evolução do trabalho de parto nas grávidas e na prestação de cuidados às puérperas no período pós-parto imediato.
As utentes também são referenciadas pelos profissionais de saúde que estão no contexto da consulta externa e no serviço de obstetrícia.
Importa referir que esta deteção não é fácil. É necessário os profissionais de saúde estarem sensibilizados para procurarem alterações na genitália das utentes oriundas dos países de risco.
A prática assenta em que tipo de justificação?
Os estudos recorrentes e todas as mulheres que questionamos sobre o assunto referem esta prática como justificação cultural. Está enraizada nas comunidades onde é praticada como algo natural, e é realizado como suposta integração das meninas na comunidade.
Em que idade a MGF é habitualmente realizada?
Esta prática ocorre, habitualmente, em idades mais precoces. Quando questionadas a maior parte das utentes não se recorda, mas indicam que foi no período da infância.
Perante uma mãe que tenha dado à luz uma menina, têm a perceção de que essa mãe irá repetir a prática na filha?
O propósito do nosso trabalho é sensibilizar estas utentes para não realizarem esta prática nas suas filhas. A maioria das utentes, quando questionadas referem ser contra a prática. Algumas utentes referem inclusive que sabem ser considerado crime no seu país de origem.
Em determinadas culturas, a “não mutilação” é sinónimo de exclusão. É assim?
Sim, em determinadas culturas é sinónimo de que aquela menina não será integrada na comunidade e pode não conseguir um casamento para subsistir, uma vez que é considerada impura.
Que medidas são tomadas perante a constatação de um caso?
Enquanto grupo de trabalho quando nos chega uma referenciação de uma utente vítima de MGF reencaminhamos para o ACES de referência. Dentro de cada ACES existe um protocolo específico de orientação.
Nos casos em que consideramos que é necessária uma intervenção imediata reencaminhamos para a assistente social do hospital, que fará uma visita à utente antes da alta.
Em conclusão, estima-se que em Portugal, cerca de 1000 meninas estejam em risco de serem submetidas a MGF a cada ano. O HFF é o hospital com o maior número de referenciações, e, consequentemente, o que identifica o maior número de meninas em risco.
A MGF é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como qualquer procedimento que envolva a remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos da mulher ou que cause lesões nesses órgãos, por razões não médicas. Esta prática tem complicações a curto, médio e longo prazo e é considerada uma grave violação dos direitos humanos.