Ninguém sabe o que pode ter passado pela cabeça de Henrique quando, precisamente há cinco anos, largou a brincadeira com o seu irmão Dinis, seguiu sozinho para o jardim e, sem aviso, se debruçou na piscina e caiu.
A sua mãe estava na cozinha e o pai arrumava o carro. Naquele dia, tudo o que podia correr mal aconteceu. Há cinco anos, a vida de Henrique e de toda a sua família ficou em suspenso. E nada voltaria a ser como antes.
Como todas as vidas, a vida de Henrique começou na água – nove meses imerso no ventre de Renata, sua mãe, num mar de cálidas sensações, mas há precisamente cinco anos, a 9 de agosto de 2018, Henrique terá ficado mais de dois minutos submerso no fundo da piscina da sua casa.
A segunda vida começa a partir do momento que o seu pai, Dário, o consegue retirar da piscina e começa a fazer manobras de suporte básico de vida até à chegada da ajuda médica. A mãe, Renata, ordena-lhe: “Henrique, volta!” e garante que quis que ele estivesse de novo no seu ventre para trazê-lo de volta à vida.
Há um rio enorme, o Tejo, que separa a casa de Henrique, em Azeitão, e o Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF), na Venteira, na Amadora. Mas há cinco anos, todos os caminhos da nova vida de Henrique pareciam vir dar ao HFF: à chegada da unidade hospitalar mais próxima, o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, o médico Pediatra que avalia o estado de saúde de Henrique, que chega já em coma e entubado, é Cláudio Alves, Diretor do Serviço de Urgência Pediátrica do HFF, que naquele dia estava a apoiar aquele hospital.
A situação era muito grave e Cláudio Alves comunica-a. Henrique tinha de ser transferido de imediato – e a central do Instituto Nacional de Emergência Médica ditou que o “berço” daquela que viria a ser a segunda vida de Henrique fosse o HFF.
No transporte intra-hospitalar de Henrique, em estado crítico, o HFF volta a estar na cadeia da vida de Henrique – é Marta Moniz, médica na Unidade de Cuidados Intensivos Especiais Pediátricos do HFF, que segue a bordo da viatura do INEM e garante a estabilização nos 50 quilómetros de viagem que separam as duas unidades hospitalares. Henrique vai ser recebido naquela noite por Pedro Nunes, Responsável da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos. O prognóstico é muito reservado e os pais são preparados para o pior cenário. Mas no corredor do Hospital, Renata pede: “Não desistam do Henrique”.
Desde a primeira hora, Renata e Dário, os pais de Henrique, decidiram que para sobreviver a este embate não podiam sucumbir ao desânimo e à culpa perante o cenário muito grave que o estado de saúde do seu filho apresentava: na melhor das hipóteses, um coma semivegetativo, com graves sequelas neurológicas. Mas esta era a segunda oportunidade que tinham e não a iam desperdiçar, perdendo tempo com a mágoa, precisavam de soluções e amor para superar o tamanho da provação.
As semanas seguintes, passadas na unidade de cuidados intensivos, sem ver a luz do dia, foram semanas de grande sofrimento – para o Henrique e para os pais. A vida do menino esteve em risco com convulsões violentas e febres muito altas. No entanto, lentamente, e contra todas as expectativas, foi evoluindo favoravelmente, revertendo o coma, apesar dos danos neurológicos e cognitivos profundos e um quadro de tetraplegia aparentemente irreversível.
Mas esta é uma história de “mergulhos”. E o Henrique é uma das únicas crianças do mundo – e a única em Portugal – que teve acesso a um tratamento que envolve um tipo de “mergulhos” únicos, realizados na câmara hiperbárica do Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica da Marinha, em Lisboa.
Neste tratamento os doentes estão sujeitos à inalação de oxigénio puro em condições de pressão superiores à pressão atmosférica ao nível do mar, foi sugerido à equipa médica pelos pais de Henrique, a propósito de um caso internacional que tinham encontrado na Internet. A hipótese era remota, mas foram iniciados de imediato contactos entre o HFF e o Hospital Militar para a realização desta experiência.
Os tratamentos iniciaram-se quando Henrique ainda estava em estado semivegetativo no HFF, 41 dias depois do acidente. O médico Pedro Nunes foi o primeiro a levar Henrique à câmara hiperbárica. As esperanças de recuperação eram poucas. Mas Henrique veio ao mundo para nos ensinar muitas coisas sobre os impossíveis, com o seu sorriso que fala, apesar de ele ainda não conseguir articular palavras, e com o seu abraço que une mundos e vontades.
Já o dissemos: esta é uma história sobre água. Água que dá vida – e água que quase matou Henrique. Água salgada, das lágrimas que foram choradas ao longo destes últimos cinco anos, e da água do fundo mar dos mergulhos em câmara hiperbárica que Henrique continua a dar na Marinha. E também de água benta, porque há qualquer coisa que quando se conhece o Henrique parece um milagre.
Henrique saiu há cinco anos do HFF tetraplégico e semivegetal, para iniciar a longa caminhada da sua segunda vida. Renata, a sua mãe, na saída, do quarto: “Um dia, vocês vão ter uma surpresa!” Hoje, cinco anos depois do dia que marca a segunda vida do Henrique, só podemos dizer a esta família que marcou a instituição e, sobretudo, ao Henrique: “Vai, Henrique, tu consegues! Estaremos sempre cá para ti!”.
O jornal de referência nacional “Público” fez uma extensa reportagem sobre a “A segunda vida de Henrique”, através da qual pode ficar a saber mais sobre esta incrível história, e a qual partilhamos aqui consigo. Clique aqui para aceder à reportagem do “Público.