«O consentimento informado – requisitos e novos desafios» – sessão clínica do HFF

12 Julho, 2023

Na passada quinta-feira decorreu mais uma Sessão Clínica do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF) e teve como tema: «O consentimento informado – requisitos e novos desafios.» Perante as atuais exigências de autonomia do/a doente, é urgente aferir os requisitos e o dever de informação constantes da lei, e as consequências da falta desse esclarecimento. Devemos considerar cada doente em concreto ou, ao invés, utilizar um padrão médio de doente? Os atuais requisitos para o consentimento, nomeadamente a existência de formulários, asseguram o cumprimento do dever de esclarecimento?

A sessão esteve a cargo Catarina Abegão Alves, assistente convidada, mestre e doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

As atuais conceções da bioética sobre autonomia atribuem o enfoque não ao quid de autonomia do indivíduo, mas sim às exigências de uma decisão autónoma. Para além disso, temos vindo a assistir cada vez mais à superação de um paradigma paternalista, acompanhado da consolidação de um modelo participativo, no qual o paciente terá de ser concretamente informado sobre vários aspetos da intervenção médica.

Estando em causa no consentimento informado o esclarecimento-para-a-autodeterminação, fundamental é o estabelecimento do alcance preciso do conteúdo do dever de informar do médico. A este respeito, se é claro que o artigo 157.º do Código Penal apenas inclui a necessidade de comunicação do diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, a doutrina e a jurisprudência têm procurado incluir outros elementos no conteúdo do dever de informar, que surgem do desenvolvimento da prática médica, como os riscos previsíveis e significativos da intervenção médico-cirúrgica, a necessidade (relativa) da intervenção, as vantagens relativas dos meios alternativos de diagnóstico ou de terapia, ou as alternativas possíveis. Fundamental é esclarecer que as lacunas do artigo 157.º não devem ser ultrapassadas sem mais, sob pena incorrermos numa violação do princípio da legalidade, devendo ter-se em conta os limites da interpretação em Direito Penal na inclusão de novos elementos no conteúdo do dever de informação.

De qualquer forma, o grau de informação dependerá ainda da urgência da intervenção, da natureza inovadora da técnica utilizada e da necessidade de tratamento, devendo existir deveres de esclarecimento mais exigentes em função da natureza do ato médico e dos seus efeitos em relação à vida do paciente.

O incumprimento do dever de esclarecimento levará à existência de um comportamento típico, nos termos do artigo 156.º do Código Penal, que prevê o crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, enquanto um crime contra a liberdade pessoal. Adicionalmente, cremos ainda que deve ser superado o paradigma do “paciente prudente e razoável”, devendo o parâmetro de transmissão da informação privilegiar as características e valores individuais do paciente, considerando as suas preferências pessoais.

Por fim, apesar de o consentimento informado não estar sujeito à forma escrita, salvo as exceções devidamente especificadas na lei quanto a certas intervenções, certo é que na prática clínica tem sido frequente o recurso a formulários escritos.

Apesar de estes puderem ser úteis no processo de conhecimento da informação pelo paciente, nomeadamente no cumprimento do período de reflexão, estes não poderão eximir o/a médico/a do cumprimento do processo comunicacional. Assim, mesmo os formulários deverão ser acompanhados por uma conversa com o paciente, para que o profissional de saúde possa averiguar se a pessoa entendeu a informação e o esclarecimento que lhe foram prestados, nos termos do Ponto F. do texto de apoio da Norma 15/2013, da Direção Geral da Saúde.

Jurisprudência mais relevante abordada na sessão, disponível em www.dgsi.pt:

Supremo Tribunal de Justiça

– Acórdão, de 9.10.2014, proc. n.º 3925/07.9TVPRT.P1.S1, (oponentoplastia/transferência do extensor radial do carpo);

– Acórdão de 2.06.2015, proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1 (cirurgia estética, vulvoplastia).

Supremo Tribunal Administrativo

– Ac. de 9.03.2000, proc. n.º 042434, Relator Vítor Gomes.