“Os critérios jurídicos das leges artis e os critérios médicos: a relevância jurídica da violação das leges artis” – sessão clínica do HFF

28 Junho, 2023

A mais recente sessão clínica do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF) teve como tema: ““Os critérios jurídicos das leges artis e os critérios médicos: a relevância jurídica da violação das leges artis”. Esta sessão esteve a cargo de Mafalda Moura Melim, professora assistente convidada, mestre e doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

A (in)observância das leges artis surge como um elemento central na determinação da responsabilidade por acto médico, tanto no âmbito civil como em matéria criminal. Efectivamente, representa o ponto de partida para a análise das problemáticas jurídicas associadas ao desempenho desta actividade perigosa, mas reconduzida a um risco socialmente permitido ou, numa formulação alternativa, ao risco normal da vida.

Neste contexto, cumpre assinalar que as leges artis correspondem a parâmetros técnico-científicos destinados a estabelecer procedimentos a adoptar pelos profissionais de saúde no exercício das respectivas funções. Em poucas palavras, as famosas boas práticas, determinadas à luz do estado da arte e permeáveis a constantes evoluções. As leges artis contribuem, assim, para aferir do significado médico do acto, assumindo especial relevância no que respeita à delimitação da matéria de facto.

Porém, em matéria de direito, as consequências da violação das leges artis não se mostram claras. Por um lado, o artigo 150.º, n.º 1, do Código Penal debela a questão, estabelecendo a atipicidade – isto é, a irrelevância criminal – das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos realizados por pessoa legalmente autorizada, com intuito curativo e em obediência às leges artis. Por outro, as decisões relativas à aferição da responsabilidade civil médica hesitam quanto ao papel a atribuir às leges artis. Em alguns casos, funcionam como critério essencial de ilicitude, noutros de culpa, havendo ainda quem as encare como mais uma variável relevante, ainda que não reconduzida a qualquer dos pressupostos desta responsabilidade.

Observa-se, por isso, uma evidente necessidade de reponderação da relevância jurídica da violação das leges artis. Não no sentido da uniformização ou automatização das ilações a retirar, mas com o intuito de evitar a transmissão de mensagens nem sempre compatíveis, potencialmente geradoras de insegurança paralisadora, numa área tão essencial.

Jurisprudência relevante abordada na sessão, disponível em www.dgsi.pt:

Supremo Tribunal de Justiça

– Acórdão de 01/10/2015, processo n.º 2104/05.4TBPVZ.P.S1 (colonoscopia com perfuração de intestino);

– Acórdão de 02/12/2020, processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1 (cirurgia estética com infecções sucessivas no rosto da paciente);

– Acórdão de 31/03/2022, processo n.º 453/13.7T2AVR.P1.S1 (colecistectomia por laparoscopia em litíase vesicular; perfuração da veia porta; morte 2 anos depois por falência multiorgânica).

Tribunal da Relação de Coimbra

– Acórdão de 11/05/2016, processo n.º 3211/11.0TALRA.C1 (colocação de banda gástrica; homicídio negligente)

 Tribunal da Relação do Porto

– Acórdão de 22/01/2020, processo n.º 9416/13.1TDPRT.P1 (morte do feto por infecção bacteriana; homicídio negligente).