Decorreu recentemente no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF) mais uma sessão clínica e que teve como tema: “A nova Lei que despenaliza a eutanásia (e outras coisas)”. Esta sessão esteve a cargo de Ricardo Tavares da Silva, Licenciado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mestre e doutor em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Estas sessão procurou esclarecer algumas questões relacionadas com esta nova lei, nomeadamente: Que alterações são introduzidas por esta Lei? Que implicações têm na prática médica? Qual o procedimento a adotar em conformidade com esta Lei?
A Lei n.º 22/2023 determina importantes efeitos para os profissionais da saúde ao nível jurídico-penal, nomeadamente, despenalizando três tipos de conduta, cujas incriminações constam do Código Penal, para além de os incluir na categoria dos ‘atos médicos’ e de criar novos deveres profissionais para os médicos.
Por um lado, altera os artigos 134.º, 135.º e 139.º do Código Penal, acrescentando, a cada artigo, um número, no qual se despenaliza o tipo de conduta em questão.
O art. 134.º prevê e pune o homicídio a pedido a pedido da vítima, que já de si constitui uma forma privilegiada de homicídio (a existência do pedido diminui a censura à decisão de matar). Neste âmbito, a Lei n.º 22/20023 despenaliza a eutanásia, definível, pelo que se depreende do art. 3.º da mesma, como o matar determinado por um pedido que expresse uma decisão de assistência médica tomada em situação de sofrimento de grande intensidade decorrente de lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada por profissionais de saúde e em cumprimento das restantes condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023.
O art. 135.º prevê e pune o incitamento e a ajuda ao suicídio, excecionando o princípio de acordo com o qual os meros participantes num crime só podem ser punidos se existir, de facto, um crime (princípio da acessoriedade), sendo que o suicídio não o é. Neste âmbito, a Lei n.º 22/20023 despenaliza o suicídio medicamente assistido, definível, pelo que se depreende do art. 3.º da mesma, como a ajuda ao suicídio que ocorra por decisão de assistência médica da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade decorrente de lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada por profissionais de saúde e em cumprimento das restantes condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023.
Por outro lado, e até para tornar exequível este novo regime jurídico-penal, a Lei n.º 22/20023 também atua no domínio médico: i) regulando as condições, a competência e o procedimento da morte medicamente assistida, nas modalidades ‘eutanásia’ e ‘suicídio medicamente assistido’ (função procedimental) – arts. 3.º a 17.º; ii) instituindo, no sistema nacional de saúde, uma via ou um canal dedicado à morte medicamente assistida (função institucional) – arts. 4.º, 13.º, 24.º a 27.º e 30.º; iii) criando novos deveres profissionais para os médicos ou, nalguns casos, concretizando deveres deontológicos já previstos no Código Deontológico da Ordem dos Médicos, nomeadamente, os dos arts. 19.º, 25.º e 29.º ss (função deontológica) – arts. 18.º a 22.º.