Dia Mundial da Anestesiologia – Entrevista com as médicas anestesiologistas do HFF Janete Jesus e Catarina Marques

16 Outubro, 2023

Hoje, celebramos o Dia Mundial da Anestesiologia com uma entrevista exclusiva com duas médicas anestesiologistas do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF), Janete Jesus e Catarina Marques. Nesta entrevista partilham as suas perceções sobre o papel fundamental da anestesiologia no tratamento da dor aguda, um tema de importância crescente no contexto médico atual.

No primeiro ponto da entrevista, exploramos o papel essencial do anestesista no bloco operatório, onde desempenham o papel de guardiões dos/das utentes, garantindo condições ideais para cirurgias e o tratamento eficaz da dor. A dor, um sintoma universal, é tratada de maneira oportuna, impedindo a sua evolução para um estado crónico, com consequências significativas para os/as utentes e para a sociedade.

Além do âmbito cirúrgico, a anestesiologia desempenha um papel crucial no tratamento da dor aguda em vários contextos, incluindo traumas, trabalho de parto e muito mais. As anestesiologistas enfatizam a importância de um controlo eficaz da dor em diferentes momentos da vida do/da utente, resultando em recuperações mais rápidas, menor stress fisiológico e maior satisfação.

A entrevista destaca como a anestesiologia transcende o bloco operatório, abrangendo áreas como a reanimação, cuidados intensivos e tratamento da dor, atendendo a utentes de todas as idades em diversas especialidades médicas. A anestesiologia desempenha um papel essencial na promoção de cuidados de excelência.

Para concluir, é enfatizado que o tratamento da dor aguda é um direito do/da utente e um dever médico. O conhecimento e a experiência dos/das anestesiologistas em técnicas locorregionais desempenham um papel vital na melhoria da qualidade de vida dos/das utentes, como nos casos de trauma torácico, fraturas do colo do fémur e crises vaso-oclusivas em utentes drepanocíticos.

 

ENTREVISTA:

1.Qual é o papel fundamental do anestesista no tratamento da dor aguda no bloco operatório?

O anestesiologista é o médico da medicina peri operatória, que acompanha o doente em todas as fases de uma cirurgia (antes, durante e depois), em qualquer faixa etária e em qualquer tipo de cirurgia ou procedimento invasivo para diagnóstico ou tratamento, como por exemplo colonoscopias, assegurando condições ideais para a realização do mesmo e condições de segurança e conforto para o doente. Num contexto cada vez mais interventivo, doentes em grupos etários extremos e com múltiplas comorbilidades ou doenças associadas, o anestesiologista é o médico guardião do doente, previne e trata os danos associados ao stress cirúrgico, como a dor.

A dor é o sintoma/sinal clínico mais frequente no ser humano a nível mundial, o seu tratamento atempado e adequado é fundamental para a sobrevivência, qualidade de vida e satisfação do doente, permite um regresso à vida ativa mais precoce e evita que essa dor se torne crónica e permanente, com um impacto muito grande nas sociedades e nos custos em saúde.

Os anestesiologistas dispõem de conhecimento técnico e científico em múltiplas técnicas que permitem o controlo da dor para além das técnicas convencionais e a administração de medicação. Realizam bloqueios de nervos periféricos ou ao nível do sistema nervoso central, que permitem um controlo da dor mais eficaz, dirigido e rápido e com menores efeitos adversos.

 

  1. Além da dor pós-operatória, em que outros contextos a anestesiologia desempenham um papel crucial no tratamento da dor aguda?

Os anestesiologistas desempenham um papel fundamental no controlo da dor independentemente da sua causa. São exemplos disso: doentes politraumatizados com fraturas por exemplo de costelas ou da anca, doentes com anemia falciforme com crises vaso-oclusivas, trabalho de parto, doentes a aguardar cirurgia, entre outros.

A situação de controlo da dor em que o papel do anestesiologista é mais visível e mais premente é no alívio da dor do trabalho de parto. O parto é um momento marcante na vida das mulheres e o controlo da dor é fundamental, dando conforto à grávida, reduzindo o stress à mãe e ao bebé, permitindo assim descansar por períodos e uma melhor colaboração no período expulsivo. O método preferencial para o controlo da dor é a analgesia epidural, mas em caso de recusa da grávida ou existência de alguma contraindicação para a técnica, temos como alternativas a analgesia endovenosa e inalatória, embora menos eficazes.

 

  1. Podem falar-nos sobre a importância de tratar a dor aguda de forma generalizada em diferentes momentos da vida de um utente?

A dor é considerada o quinto sinal vital e é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável e embora geralmente tenha um papel adaptativo e benéfico (por exemplo ser um sinal de alarme para fuga, como numa queimadura), pode ter efeitos adversos na função e no bem-estar social e psicológico.

O tratamento da dor é um direito dos doentes e um dever médico, o anestesiologista é o médico perito no tratamento da dor. Um controlo eficaz da dor permite uma recuperação mais precoce, ao permitir o levante e início da fisioterapia, diminui o stress fisiológico e os seus efeitos adversos como alterações tensionais e da glicémia, aumenta a satisfação e o conforto dos doentes e ainda diminui a probabilidade de a dor se tornar crónica, que por sua vez representa custos sociais, financeiros e económicos incomportáveis para as sociedades.

 

  1. Como é que a especialidade de anestesiologia demonstra a sua transversalidade ao cuidar dos utentes em diferentes momentos das suas vidas?

A Anestesiologia é uma especialidade médica transversal com cinco pilares basilares: Bloco Operatório, Medicina Peri Operatória, Tratamento da Dor, Reanimação e Doente Crítico e Cuidados Intensivos. Abrange todas as idades de doentes, como dá apoio em várias situações. O bloco operatório não é o nosso único lugar de trabalho. A sala de partos tem sempre um anestesista para  analgesias e cesarianas. Na gastroenterologia, imagiologia, pneumologia, entre muitas outras especialidades, o anestesista assegura as condições necessárias para a realização do exame e condições de segurança e conforto para o doente. O controlo da dor aguda e crónica em contexto hospitalar e fora do hospital, no apoio e formação dos profissionais de saúde de cuidados primários ou hospitalização domiciliária, contribuem ativa e definitivamente para a melhoria e prestação de cuidados de excelência aos utentes.

 

  1. Quais são as ideias-chave que gostariam de reforçar sobre a anestesiologia e o tratamento da dor aguda?

O tratamento da dor aguda é um direito do doente. É necessário ter equipas com formação adequada para intervir nestes casos. O controlo da dor aguda previne que essa dor se torne crónica e permanente, promove altas mais precoces, doentes mais satisfeitos e menos despesas socio económicas.

 

  1. Quais os desafios que podem surgir ao tratar a dor aguda em contextos como trabalho de parto e doença terminal, e como é que a anestesiologia os enfrenta?

Durante o trabalho de parto, o anestesiologista tem que ter em conta as especificidades inerentes à grávida e as alterações fisiológicas da gravidez. A analgesia de trabalho de parto confronta o anestesista com o binómio mãe e feto. Por um lado, é preciso aliviar a dor da mãe e, por outro, garantir o bem-estar fetal.

Na doença oncológica, o Anestesiologista depara-se com doentes que apresentam mau estado geral e vários desafios: baixa tolerância aos fármacos (insuficiência hepática e/ou renal), caquexia/desnutrição, ausência de via oral e/ou endovenosa, o que dificulta uma abordagem eficaz, pelo que é necessário um trabalho em articulação com outras especialidades (por exemplo, com a equipa de cuidados paliativos).

 

  1. Poderiam partilhar exemplos de casos em que a anestesiologia fez a diferença no tratamento da dor aguda fora do bloco operatório?

O Anestesiologista, através do seu conhecimento e proficiência em técnicas locorregionais, consegue abordar de forma eficaz quadros álgicos que, quando tratados com medicação convencional, são de difícil controlo e com múltiplos efeitos adversos associados.

São exemplos:

– Trauma torácico com múltiplas fraturas de costelas, que está associado a incapacidade funcional, a respiração ineficaz com o aumento de risco de atelectasias e infecções respiratórias. Nestas situações, a terapêutica convencional demonstra-se muitas vezes insuficiente, e o recurso a técnicas de analgesia regional surge como uma alternativa segura, eficaz e com menos efeitos secundários;

– Doentes com fraturas do colo fémur que aguardam intervenção cirúrgica apresentam frequentemente dor severa e incapacitante. Com a realização de bloqueios analgésicos, o anestesiologista consegue promover o conforto do doente durante a mobilização e posicionamento no período peri-operatório;

– Os doentes drepanocíticos com crises vaso-oclusivas agudas apresentam quadros álgicos de grande intensidade. As técnicas analgésicas loco-regionais não só permitem o controlo da dor, tendo também promovem uma melhoria na perfusão das áreas afectadas.